Com o propósito de morar no velho continente, esses brasileiros recorrem ao governo italiano pois a cidadania dá o direito de morar e trabalhar na Europa sem ter a preocupação de vistos, ou seja, realizar o sonho de ganhar dinheiro, “fazer a vida” em euros e, muitas vezes, ajudar a família que fica no Brasil. Segundo a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre a Emigração Ilegal, cerca de cinco bilhões de dólares (moeda das transações internacionais) foram remetidos ao Brasil por via bancária pelos brasileiros que moram no exterior, cifra expressiva que contribui para a economia brasileira. Outro atrativo é que a Itália tem acordos com vários países que dispensam vistos para os cidadãos italianos, como os Estados Unidos.
Mas comer uma macarronada e poder, por exemplo, ver o Coleseo da janela do escritório não é o que busca a maioria dos brasileiros que tentam a cidadania italiana. Ao contrário, eles almejam trabalhar nos países que demonstram maior prosperidade econômica e oferecem maior número de vagas de emprego, como Inglaterra e Alemanha, e não vão ou permanecem na “grande bota”. Essa situação preocupa o governo italiano e o fez pensar em maneiras de conter essa evasão. Uma medida que foi estudada é a de aplicar uma prova de italiano nos que fazem o pedido da cidadania. O objetivo é que os que obtenham o direito falem, ao menos, o idioma, visto que essas pessoas têm maior probabilidade de ficar na Itália. Na França, por exemplo, a cidadania apenas é concedida para os que têm conhecimento da língua e da cultura francesa.
Porém, outros motivos fazem os brasileiros temerem morar na Itália. A crise econômica do país afasta os imigrantes de todo o mundo. Segundo o relatório do Ministério de Economia e Finanças Italiano de 2005, o país tem o pior desempenho entre os europeus. O PIB naquele ano não cresceu e a dívida pública era a segunda maior do mundo. “Fica difícil atrair imigrantes quando à volta existem países com maior crescimento. Outra coisa é que expressivo número das empresas do país é de pequeno porte e, por conseqüência da legislação trabalhista italiana, muitos empresários diminuem o número de funcionários para evitar problemas com sindicatos”, diz a italiana Bruna Branchi, professora de economia da PUC-Campinas.
A invasão de descendentes italianos preocupa outros países do bloco europeu. A Itália, por ter a lei mais flexível no direito à cidadania, está sendo pressionada a restringir o direito. Hoje, um bisneto de italianos pode trabalhar legalmente na Espanha, por exemplo, direito que um bisneto de espanhóis não tem. Ainda esse ano, a Itália pretendia mudar as regras para os “oriundi” – descendentes de italianos. As primeiras medidas que podem ser adotadas são: apenas filhos ou netos de italianos poderão reconhecer a cidadania; descendente de italianas nascidos antes de 1948 terão direito e os naturalizados poderão recuperar a cidadania italiana sem perder a dupla nacionalidade. “Hoje, concedemos o direto à cidadania, mas não as condições de obtê-la. Os limites serão mais estreitos, mas as prerrogativas de quem já está na fila serão mantidas”, diz Edoardo Pallastri, senador italiano que representa os cidadãos italianos da América do Sul. A publicação de matérias sobre as novas medidas é, para alguns, uma estratégia de “colocar medo” nos descendentes a fim que o número de pedidos diminua, mas que essas novas regras não entrarão em vigor. Porém, o governo italiano mostra que colocará as regras em prática em pouco tempo.
A busca da documentação necessária não é, porém, o pior inimigo dos brasileiros que pedem o reconhecimento da cidadania. As filas nos Consulados Italianos podem fazer o processo durar até quinze anos. “A fila está grande demais, pois faltam funcionários nos consulados para analisar todos os pedidos”, diz Lúcia Benatti, secretária do Consulado Italiano de Amparo/SP. O número de processos é assustador. Dos 760 mil processos de cidadania que já estão na Itália para análise, 500 mil são de brasileiros e 200 mil são de argentinos, segunda maior colônia de descendentes entre os países da América Latina. Nas últimas eleições italianas, em 2006, quando o senador Edoardo Pallastri foi eleito, ele afirmou que sua prioridade era aumentar o número de funcionários nos consulados. “Se a lei italiana concede o direito da cidadania aos descendentes de italianos, os consulados precisam estar preparados para que essas pessoas sejam atendidas”, disse o senador em entrevista à revista Veja logo após a eleição. “Mudanças podem acontecer nos consulados quanto ao número de funcionários, porém só acreditarei quando forem realidades. Já cansei de promessas”, complementa Lúcia. Mais de um ano depois da eleição e das promessas, tudo continua na mesma. Os descendentes ficam a ver navios, e bem longe do porto de Nápoles.
Uma alternativa encontrada para diminuir a espera é o processo direto na Itália, possível desde 1992. Com uma mudança na lei em 2002, os requerentes podem aguardar o fim do processo no país. Porém, são necessários procedimentos como a verificação da documentação pelo poder italiano e o descendente precisa, obrigatoriamente, residir em um endereço fixo, não em hotéis, o que aumenta as despesas. O processo na Itália dura cerca de seis meses. Depois de obter a cidadania, a maioria sai da Itália, mas continua com a idéia que na Europa os sonhos não têm limites, e melhor, também não têm fronteiras.