sexta-feira, 17 de abril de 2009

Uma crise dos com tudo para os sem nada

ARTIGO




A fortaleza de uma família é sua casa, onde a janela com o azul cintilante da televisão e o pão de forma sobre a mesa mostram que ali vivem pessoas com suas histórias, alegrias e tristezas. Um chão coberto de entulhos, móveis quebrados, papéis, possíveis fotos que relembram momentos importantes de uma família que foi obrigada a se retirar e ir para “Deus sabe lá onde” poder dormir, acolher os filhos, reconstruir a vida. O motivo: uma economia que visa o lucro que não tem limites, é formado pela ganância dos ricos que querem ficar mais ricos, um sistema econômico que não agrega, mas separa.

A foto vencedora do World Press Photo Fundation sintetiza essa ruptura, esse estrago ocasionado pela crise econômica. De forma humanizada, longe dos números vermelhos de Wall Stret e seus acionistas que estão acostumados a ganhar e nunca a perder. A foto mostra uma lacuna. Um abismo entre os que perderam milhões que não farão falta e aqueles que perderam a razão de viver. Como explicar para um filho que ele não pode ter uma casa, como os amiguinhos da escola, porque seu pai não possui dinheiro? Pergunta simples, mas com uma resposta que dá um nó na garganta e faz os olhos se encherem d’água.

A foto traz referência a postura do Estado de – ao enviar um policial para checar se realmente não existe mais ninguém na residência – dar socorro aos já ricos e manipuladores bancos e não diretamente às família que foram obrigadas a viver sem perspectiva, sem trabalho e sem casa. Um situação que contradiz a Declaração Universal dos Direitos Humanos, tão defendida – em pronunciamentos e em filmes hollywoodianos – pelos americanos, mas que na prática, não é respeita por nenhuma nação. Todos têm direito à um lar, a declaração afirma pontualmente. Mas isso é seguido?

Como visto, a foto traz um discussão muito além – e mais importante – do que o discurso econômico, mas escancara um sistema discriminante. Não precisa de cores. A foto em preto e branco, uma das características do autor, Anthony Suau, sintetiza a crise porque ela é fria, não tem a cor da vida. Possivelmente, o fotógrafo se sentiu como que entre os destroços de uma guerra, como a invasão dos Estados Unidos no Iraque. A foto mostra que o policial busca um tipo de “terrorista” (aos olhos dos poderosos): uma pessoa sem dinheiro. Passarinho comum mas pouco importante no ninho quando não consome e não paga suas contas.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Acordar para a Vida

CINEMA



Discutir a vida, em todas as suas facetas – das relações amorosas à morte -, é uma das atividades mais praticadas, mesmo que não tenhamos a mínima noção de sua presença. Andando na rua, observando as pessoas ou o nada. Não pode nenhuma pessoas levantar a mão, estufar o peito e dizer: “Nunca me questionei sobre a vida!”. Parecem que algumas pessoas preferem viver na inércia, mas mesmo essas medrosas perante às dúvidas e acomodadas nas explicações de qualquer um ou do consenso, param e refletem.

O filme “Waking Life” traz toda essa reflexão numa avalanche de pensamentos. Do personagem principal, um jovem caminhando na linha que separa a realidade do sonho (e muitas vezes sem saber para qual lado está mais caído), aos personagens que este encontra caminhando pela rua, tendo devaneios, tentando ou não apagar a luz de um interruptor. Aliás, a técnica de mexer do interruptor é dada no filme como forma de saber se tudo o que você está passando é um sonho/pesadelo ou realidade. Se você conseguir apagar a lâmpada, está na no segundo, caso contrário, está sonhando.

A filosofia tradicional permeia os pensamentos explícitos no filme. Os personagens não têm receio de falar sobre os seus próprios pensamentos, dos mais desvairados, ao consagrados por filósofos como Sartre e seu existencialismo.

Mas essa discussão não está somente em livros empoeirados. Está na nossa vida cotidiana. O que o filme narra é uma aventura na mente complexa – e qual não é – de um jovem. Nossa vida é permeada por esses pensamentos avulsos e conectados, colados ou como elétrons descontrolados, de pensamentos de história da Carochinha aos da mãe e do pai que sabem tudo quando somos criança.

Na verdade, quando nos questionamos sobre a vida, mais comum na fase da adolescência, parece que perdemos o chão, caídos sem proteção. Somos tomados por uma crise, uma bem maior que as econômicas que assolam por aí e se transformam em pesadelo para alguns bilionários sem dinheiro.
.
O personagem principal do filme “Waking Life” traz a tona essas discussões. Ora quer repudiá-las, ora, compreendê-las. Do cinema à violência, da objetividade à subjetividade, do sonhador ao personagem sonhado. Parece de uma pertinência incrível essa discussão, e mais do que isso, ter a coragem – tão necessária – para revelar essas dúvidas para o mundo, mesmo que os olhos dos amigos tragam uma desconfiança de insanidade. Afinal, é taxado de louco que pensa porque existe. Nossa sociedade está programada para viver por viver, sem saber por que vive.
.
A discussão torna-se tão importante que todas as outras linguagens do filme viram secundárias. O cenário, por exemplo, se mexe constantemente e você não consegue ter um ponto fixo, logo, presta muito mais atenção do que está sendo dito e não naquilo que é mostrado. Aliás, o filme trabalha com uma linguagem visual que fica no meio termo entre o real e o desenho. Traços cubistas e impressionistas entrelaçados, um abraço entre as obras de Picasso e Monet. Uma lindíssima expressão tão inovadora que choca à primeira vista. Mas não é para isso mesmo?
.
Com um “ser ou não ser” shakesperiano modernizado, o filme mostra o ser humano vagando entre a realidade e a imaginação. Dúvidas que cabem no ciumento Bentinho, de “Dom Casmurro” de Machado de Assis; a busca de querer realizar os desejos secretos e ser amada de Luiza, em “O primo Basílio” de Eça de Queiroz, ou na dona de casa insatisfeita de “Foi apenas um sonho”; de virar um inseto, como na obra de Franz Kafka. Ou seja, questões que se apresentam só pelo simples fato de se viver.